As famílias açorianas da minha infância eram todas numerosas, viviam de trabalhar a terra e de tratar as suas vacas. Éramos tantos, tão iguais, tão irmanados naquele abandono insular que toda a realidade nos era profundamente verdadeira. Acreditávamos em deus e no diabo, críamos que os vendavais e os sismos nos eram enviados para castigo dos nossos pecados. Recebíamos a visita das almas do outro mundo . De modo que era preciso desagravar a Deus por tudo e por nada: fazendo peregrinações, confessando-nos, dando dinheiro, ovos, frangos e leite à igreja nossa padroeira. E o certo é que, depois disso, os sismos e os vendavais passavam, os espíritos errantes deixavam de aparecer, e nós ficávamos em paz, de alma redimida. Eu não o sabia então, mas tudo isto era já, em mim, literatura.
E depois havia o país dos livros de Historia e geografia; o dos castelos , dos rios, dos comboios, dos cognomes dos reis, das suas dinastias – numas ilhas onde não havia rios, nem comboios nem castelos, nem reis nem rios. (…)
E depois havia o país dos livros de Historia e geografia; o dos castelos , dos rios, dos comboios, dos cognomes dos reis, das suas dinastias – numas ilhas onde não havia rios, nem comboios nem castelos, nem reis nem rios. (…)
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João de Melo
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