21/02/2009

No Carnaval vestia-se de minhota e ficava três dias sozinha na varanda, a lançar para as árvores do Jardim Constantino serpentinas que baloiçavam nos ramos até a chuva da Páscoa as desbotar. Eu era gorda nesse tempo (…) E contudo, quando eu era nova, os homens preferiam que a gente não fosse uns esqueletos quaisqueres, e acho que foi por eu ser forte que o Sandokan se apaixonou por mim.
Claro que não se chamava Sandokan: chamava-se Feliciano, e na época em que me vestiam de minhota vestiam-no a ele de príncipe malaio, de turbante com esmeraldas de vidro e bigodes de rolha, e trotava-me debaixo da varanda, com os pais, para o Carnaval do Éden, onde no fim dos palhaços desprendiam dúzias de balões do tecto e piratas de perna de pau enfiavam papelinhos desalmados no pescoço das fadas de cabelo loiro de estopa e varinha de condão de tabopã, sufocadas de lágrimas de humilhação.
Na altura da minhota não me ligava nenhuma, não há memória de um Sandokan se interessar por arrecadas de lata (…)
~
António Lobo Antunes

3 comentários:

Anónimo disse...

Excelente como sempre.

Anónimo disse...

este excerto faz parte de alguma crónica ou foi tirado de um livro?

Anónimo disse...

Lobo Antunes condensado n'alguns paragrafos. Ele mata-me, mais depressa que qq Sandokan :)





MM